LONGO CAMINHO PELA FRENTE

A transformação que a tecnologia traz para o agronegócio é visível, mas depende de boa infraestrutura e gente especializada para operar.

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Por Lia Vasconcelos

A chamada revolução 4.0, que já chegou à indústria, começa a abrir caminho no campo, mas ainda tem alguns desafios pela frente, como aponta Pedro Estevão Bastos de Oliveira, presidente da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos (CSMIA) da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Em primeiro lugar, falta capacitação para utilizar todas as ferramentas disponíveis aos produtores. “A começar pelo gestor ou proprietário da fazenda, que deve ter conhecimento das inovações e disposição para aplicá-las na propriedade, passando pelos operadores das máquinas e técnicos das ciências agronômicas, que terão de analisar os dados gerados”, explica Bastos de Oliveira.

Em segundo lugar, está o acesso precário à internet no campo, que pode restringir o processo de envio de dados e do monitoramento das operações em tempo real. “Acompanhar o que a máquina está fazendo permite interferir na operação no momento em que está sendo realizada. Além disso, os dados gerados são analisados e podem propiciar operações mais eficientes nas futuras safras”, afirma.

“A revolução 4.0 ainda está num estágio inicial no campo, embora conceitualmente haja consciência sobre seu poder de transformação. Mas a adoção prática e escala ainda estão longe de se consolidar”, pondera Luís Renato Oliveira, líder da prática de agribusiness no Brasil da Bain&Company.

Segundo ele, a indisponibilidade de internet e a falta de conectividade em largas extensões de terra é, de fato, um grande desafio. “Para decisões em tempo real com, por exemplo, o uso de dados de pluviometria, solo e consumo de combustível, é preciso garantir um fluxo de informações entre cada máquina e um centro de controle, geralmente localizado na nuvem. Isso dá a medida da importância do acesso à internet para a materialização do big data na plenitude no agronegócio”, diz Oliveira. “O Brasil não conta, hoje, com serviços essenciais para o agronegócio, como internet de alta velocidade, processos integrados de suprimento de insumos e data centers, sistemas tão ou mais essenciais que estradas, ferrovias, armazéns e portos. Sem essa infraestrutura básica de tecnologia, a agricultura terá custos cada vez maiores, apesar da grande competência que temos no setor”, complementa Gustavo Junqueira, presidente da Sociedade Rural Brasileira.

Mesmo com entraves, as novas tecnologias têm conseguido avançar no campo. Um exemplo é o JD Link, da John Deere, que permite o gerenciamento das operações a partir de uma conexão com a internet por meio de laptops, tablets e smartphones.

“Antes, o escritório era levado para a máquina via pendrive, agora a tecnologia conecta a máquina dentro do escritório”, explica Maurício Menezes, especialista em agricultura de precisão da John Deere. “Produzir no campo, hoje em dia, é muito mais um negócio do que um meio de subsistência. Há culturas com três safras por ano. O agricultor não pode perder tempo.”

O JD Link, a ser lançado oficialmente em novembro no Brasil, monitora o consumo de combustível, posicionamento da máquina, ajustes como rotação e pressão, uso geral (quanto tempo ficou parada ou trabalhou) e detecta erros como superaquecimento. A grande vantagem do uso da tecnologia, de acordo com Menezes, é o produtor receber informação em tempo real para fazer mudanças de rota se necessário.

A Bayer tem utilizado a telemetria para auxiliar o produtor. “Semente de qualidade é chave para a agricultura”, afirma Roberson Lima, diretor de Seed Growth da Bayer. Por isso, a empresa tem investido em alta tecnologia para aplicação de ingredientes ativos nas sementes. “Temos uma central que enxerga tudo que o equipamento está fazendo nas empresas que desenvolvem sementes. Por causa da prevenção dos problemas conseguimos reduzir a manutenção física da máquina, e o índice de equipa-mento parado é inferior a 1%”, diz o executivo.

Drones também têm entrado em campo. A Promip, empresa especializada em produtos biológicos e soluções para programas de manejo integrado de pragas, tem o Vant, equipamento para aplicação aérea cuja principal função é liberar produtos biológicos em plantações com áreas mais extensas.

“A liberação manual é muito lenta, então desenvolvemos o Vant, um drone que consegue liberar microvespas em 100 hectares em uma hora. Manualmente, a distribuição na mesma quantidade de terra demoraria um dia inteiro”, explica Marcelo Poletti, CEO da Promip.

O drone, que funciona via GPS, faz a rota estipulada e volta a um ponto predeterminado. O equipamento já está em funcionamento há um ano em algumas usinas de cana de açúcar em São Paulo, e testes pilotos estão sendo feitos em plantações de soja em Mato Grosso do Sul.

Já a Agrosmart e a Umisolo apostam em equipamentos que monitoram as condições do solo em tempo real. Eles podem ser usados tanto por pequenos produtores como em plantações extensas. A irrigação é um dos grandes dilemas dos fazendeiros. Em poucas quantidades, pode ressecar a raiz. Em excesso, pode comprometer a produtividade, com apodrecimento da raiz e carência de nutrientes, além disso, o descuido resulta em desperdício.

Lawrence Righi, diretor operacional da Umisolo, explica que a importância desse tipo de equipamento vem da alta necessidade de quantificação do uso da água. “Quantificar a umidade do solo permite ao produtor saber exatamente o quanto irrigar. Observa-se de imediato uma economia direta de utilização [ em termos de energia e do próprio custo da água] e melhor controle sobre a saúde das plantas”, diz o executivo.

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Poletti, da Promip: drones para liberar produtos biológicos. 

Os resultados da aplicação do sistema aparecem já na primeira safra: há redução de até 30% do consumo de água em áreas de cobertura de 100 alqueires. O sensor, composto de materiais recicláveis, resistente e livre de baterias, é compatível com todas as plataformas e pode ser instalado tanto em tablets como no celular.

“Muitas decisões no campo são tomadas baseadas na intuição, no conhecimento tradicional ou no que o vizinho faz”, diz Mariana Vasconcelos, CEO da Agrosmart, empresa criada em 2014 também com o objetivo de impulsionar o cultivo inteligente por meio de um aplicativo que, em tempo real, monitora catorze variações ambientais, como chuva, umidade do solo, entre outras. Reunidas, essas informações ajudam o agricultor a decidir o momento de plantar e colher, a irrigação correta, além de permitir que preveja a produtividade e detecte o aparecimento de doenças na plantação.

“Já pudemos perceber economia de 60% do consumo de água, pois a irrigação se torna pontual, e aumento de 15% na produtividade”, esclarece Vasconcelos, que conta que a solução, no Brasil, já está em uso em culturas de grãos, café, algodão, citrus e cana de açú-car e está sendo testada nos Estados Unidos, Bolívia e México com parceiros locais.

A inovação, entretanto, tem começado antes de as máquinas chegarem ao campo. A CNH Industrial investiu US$ 191 mil em uma impressora 3D e agora cria peças para a produção de equipamentos agrícolas usando essa tecnologia. Um exemplo é a fabricação de um duto utilizado no tubo de descarga de colheitadeiras. Os testes começaram a ser feitos há dois anos.

“A tecnologia 3D é uma das descobertas mais fantásticas dos últimos anos e é sinônimo de agilidade e perfeição. Estamos vivendo uma nova revolução industrial com a manufatura aditiva, acelerando os processos, facilitando a produção, otimizando os custos e melhorando a logística”, afirma João Kovalchuk, engenheiro responsável por Aplicações Agrícolas da CNH Industrial para a América Latina.

Fernando Suzuki, fundador e chief innovation officer (CIO) da escola de negócios Master of Business Innova-tion (MBI), observa que o Brasil é um dos piores países em geração de inovações e, ainda assim, o terceiro maior produtor agropecuário do mundo. “Imagine as consequências quando começarmos a mudar nosso próprio `mindset’, repensarmos o agronegócio e nos tornarmos de fato inovadores. Aí, sim, a revolução 4.0 finalmente terá chegado ao campo.”

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