Diversidade de atrópodes extraída de amostra de solo (Crédito: Pollard, 2016)
Um dos mais importantes reservatórios da biodiversidade mundial está protegido de nossos olhos e escondido sob nossos pés: trata-se dos solos, tanto de áreas naturais, quanto cultivadas. A diversidade da fauna edáfica (nome que se refere aos organismos que ocorrem no solo) é tamanha, que a observação dos animais extraídos a partir de uma simples amostra de solo nos revela um mundo de formas e cores inimagináveis. Os microatrópodes que vivem no solo pertencem aos mais diversos grupos, com destaque para colêmbolos, adultos ou imaturos de insetos, isópodes, pequenas aranhas, pseudoescorpiões, opiliões, e ácaros, muitos ácaros!
Os mais abundantes representantes dos ácaros edáficos são os Oribatida (excluindo-se os Astigmatina), que podem se alimentar de fungos ou serem decompositores que atuam na ciclagem de nutrientes no solo, apresentando grande importância ecológica. Morfologicamente os Oribatida diferem dos demais grupos de ácaros por serem geralmente grandes, com tamanho variando de 150 a 2.000 micrômetros, muito esclerotizados e com coloração escura, geralmente amarronzados, mas podendo variar de amarelados a vermelhos.
Depois dos oribatídeos, o grupo mais abundante de ácaros encontrados no solo é a ordem Mesostigmata, formada majoritariamente por predadores que podem alimentar-se de uma ampla gama de presas, como outros ácaros, anelídeos, nematóides e pequenos insetos. Por serem predadores de tantos grupos diferentes e, portanto, estarem envolvidos em diversas teias alimentares, a presença e variedade dos Mesostigmata podem servir como um bioindicador ambiental, refletindo as condições gerais do solo, incluindo as características orgânicas e inorgânicas do ambiente.
Por serem vorazes predadores, os Mesostigmata edáficos há muito tempo despertam a atenção de pesquisadores que buscam a utilização destes organismos para o controle biológico de pragas. Para isso, diversos grupos de acarologistas no Brasil e no mundo tentam desvendar a diversidade destes predadores em áreas naturais e transportá-los para os ambientes agrícolas. Como resultado destes estudos, diversas espécies de predadores edáficos são hoje amplamente utilizadas em programas de controle biológico.
Um grande exemplo de sucesso na utilização destes predadores é representado pela família Laelapidae. A esta família pertence o gênero Stratiolaelaps, que possui duas espécies, S. scimitus e S. miles, dentre as mais comercializadas no mundo (existe uma discussão se realmente trata-se de duas espécies diferentes ou uma única espécie1). Estas espécies são mundialmente utilizadas para o controle de tripes, fungus gnats e outras moscas na produção de cogumelos e mudas, por exemplo. No Brasil, a espécie S. scimitus é comercializada pela Promip sob o nome comercial Stratiomip. Outras espécies da mesma família, Androlaelaps casalis e Gaeolaelaps aculeifer são comercializados em outras partes do mundo, mas não estão disponíveis no Brasil.
Apesar de o mercado mundial de predadores edáficos ser dominado por espécies da família Laelapidae, diversos pesquisadores trabalham para diversificar este cenário com a descoberta e desenvolvimento de novos predadores. Muitos desses avanços estão detalhados em um livro2 publicado recentemente, em que é discutido o potencial para a aplicação prática de diversos grupos de predadores edáficos, como Rhodacaroidea, Macrochelidae e Ascidae, por exemplo.
Apesar da maior diversidade, não podemos pensar que os Mesostigmata são os únicos predadores existentes no solo. Existe um outro grupo, denominado Prostigmata, que também abriga espécies predadoras! Inclusive, a família Bdellidae, que pertence aos Prostigmata, foi um dos primeiros ácaros da história a ser considerado para utilização em programas de controle biológico de pragas, sendo estudado e utilizado para o controle de algumas espécies de colêmbolos.
Como dito até agora, a maior parte dos ácaros edáficos são decompositores (Oribatida) ou predadores (Mesostigmata e Prostigmata). Mas neste ambiente, podemos encontrar, também, algumas espécies de ácaros que são “vilões”, atacando e danificando nossas culturas. Estas espécies de ácaros fitófagos pertencem principalmente ao grupo Astigmatina, mais precisamente ao gênero Rhizoglyphus e podem alimentar-se de bulbos, tubérculos e raízes. Para o controle destas pragas tem-se avaliado o uso dos mesmos predadores Mesostigmata já citados acima, com destaque para aqueles das famílias Laelapidae, Ascidae e Rhodacaridae.
Embora muito já se saiba sobre a acarofauna do solo, ainda há muito para se conhecer. Estudos constantes devem ser realizados para se decifrar, cada vez mais, o papel destes organismos como bioindicadores, predadores ou pragas. Porém, acima de tudo, o que deve mover os estudos com estes animais, deve ser nossa admiração e curiosidade para conhecer este mundo fantástico que se desenvolve entre cada partícula de solo, escondido dos nossos olhos e sob os nossos pés!
Para saber mais:
1 MOREIRA, G.F.; MORAES, G.J. The potential of free-living laelapid Mites (Mesostigmata: Laelapidae) as biological control agents. In: CARRILLO, D.; MORAES, G.J.; PEÑA, J.E. (Ed.). Prospects for biological control of plant feeding mites and other harmful organisms. Cham: Springer International, 2015. chap. 3, p. 77-102.
2 CARRILLO, D.; MORAES, G.J.; PEÑA, J.E. Prospects for biological control of plant feeding mites and other harmful organisms. Cham: Springer International, 2015. 328 p.
POLLARD, S. Spiders and other arachnids- Other arachnids- spider relatoves. Te Ara– The Encyclopedia of New Zealand. http://www.teara.govt.nz/en/photograph/12725/soil-mites (acessado em 10 de novembro de 2016).