Produção Integrada e o MIP como alternativa para a redução de resíduos químicos na cultura do pimentão
Nas últimas décadas, a humanidade tem experimentado de uma forma geral um notável aumento de sua qualidade de vida e um acesso quase infinito à informação, por meio da internet. É neste cenário que um novo tipo de consumidor vem se destacando, por meio da exigência de níveis de qualidade e confiabilidade dos produtos adquiridos. Portanto, para este novo consumidor, a qualidade e a segurança dos produtos, aferidas por meio de padrões estabelecidos por órgãos de controle de qualidade são cada vez importantes.
No Brasil, algo semelhante acontece, no entanto, com algumas peculiaridades. Observa-se que a sociedade se mostra bastante exigente com relação a bens de consumo duráveis, como eletro e eletrônicos e itens do vestuário. Porém, esta mesma sociedade parece não prestar a mesma atenção quando se trata de itens relacionados à sua alimentação. É muito comum o consumidor brasileiro buscar por frutas e hortaliças com base apenas na aparência externa e, principalmente, no menor preço. Este tipo de comportamento pode explicar, muitas vezes, a reduzida oferta de alimentos de qualidade superior, tendo em vista a baixa remuneração do produtor. Assim, alimentos de qualidade superior são produzidos em quantidades reduzidas e oferecidos apenas para pequenos nichos de mercado, principalmente na forma de alimentos orgânicos aos consumidores dispostos a pagar mais pelo produto.
Um caso que pode ilustrar bem este cenário é do pimentão, que nos últimos anos vem sendo considerado pela grande mídia nacional como o grande vilão da olericultura brasileira, por apresentar problemas relacionados à contaminação dos frutos com resíduos de agrotóxicos. Este problema teve início no ano de 2008 com a divulgação do relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), contendo os resultados da contaminação química de frutas e hortaliças amostradas em supermercados de 15 estados do Brasil, incluindo o Distrito Federal, onde o pimentão foi o primeiro colocado, com 64,36% de suas amostras com resultados insatisfatórios. Foram encontrados 22 ingredientes ativos utilizados na cultura, dos quais 18 não estão registrados e quatro com registro, porém, com limites máximos de resíduos (LMR’s) acima dos permitidos pela legislação. Nos anos seguintes, a situação tornou-se ainda pior, alcançando em 2010, o pico de 91,8% de amostras de pimentão com resultados insatisfatórios para resíduos químicos (Tabela 1).
Cultura | Número de amostras insatisfatórias no Período (%) | |||
(2008) | (2009) | (2010) | (2011) | |
Pimentão | 64,4 | 80,0 | 91,8 | 90,0 |
TABELA 1. Relatório do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com a percentagem de amostras de pimentão com resultados insatisfatórios no período de 2008 a 2011.
É pensando neste tipo de cenário que surgiu a Produção Integrada (PI), criada na Europa no final da década de 1970, com base nos preceitos do Manejo Integrado de Pragas (MIP), principalmente no monitoramento constante das pragas e no uso de métodos alternativos de controle, a fim de obter uma agricultura mais sustentável e ecologicamente correta. Por definição, a PI é um tipo de produção econômica de alta qualidade, obtida por meio da priorização de métodos ecologicamente mais seguros, com redução dos efeitos colaterais e indesejáveis do uso de agroquímicos, para aumentar a proteção do ambiente e a saúde humana.
No Brasil, a PI iniciou com enfoque restrito à cadeia de frutas, sendo denominada Produção integrada de frutas (PIF). Posteriormente, em 2010, foi publicada a Instrução Normativa (IN) 27 do Mapa que ampliou o escopo da PI, criando a Produção Integrada Agropecuária (PI-Brasil), que passou a incluir não somente as frutas, mas também as cadeias de olerícolas, grãos, carne, leite e derivados.
A produção integrada está no mesmo patamar da produção orgânica no que se refere a alimentos de alto padrão de qualidade e segurança, considerados como alimentos do tipo Premium (Figura 1). A PI se baseia num tipo de processo de adesão voluntária, ou seja, ninguém é obrigado a aderir ao sistema, mas para os produtores interessados, existe o compromisso de cumprir todo um conjunto de normas técnicas específicas (NTE) construídas com base na Instrução Normativa nº. 20/2001 do Mapa, sobre as Diretrizes e Normas Técnicas Gerais da PI, as quais são auditadas nas propriedades rurais por certificadoras acreditadas pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro).
Com isso, os produtores rurais que seguem estas normas passam a receber o direito de usar um Selo de Qualidade com chancela oficial do Mapa e do Inmetro, assegurando que seus produtos estão de acordo com práticas sustentáveis de produção e, consequentemente, mais saudáveis para o consumo, garantindo ainda menor impacto ambiental do que produtos convencionais e a valorização da mão de obra rural (Figura 2).
As Normas Técnicas são elaboradas para cada cultura e são construídas em parceria com os setores de pesquisa, extensão, ensino e produtores rurais, a fim de atender as peculiaridades de cada cultura e assegurar a obtenção de um produto diferenciado, com diversos benefícios para o setor produtivo, como por exemplo, a redução dos custos de produção, por meio da redução do uso de agrotóxicos e a maior organização da cadeia produtiva como um todo (Figura 3).
No caso especifico da cultura do pimentão, os problemas de resíduos de agrotóxicos nos frutos se deve principalmente pelo manejo ineficiente de pragas e doenças que ocorrem nessa cultura.
Dentre essas pragas merece destaque o ácaro rajado Tetranychus urticae (Tetranychidae), que ocorrem em grandes números principalmente nas regiões de clima quente e seco (Figura 4). Essa praga se torna ainda mais seria nos cultivos protegidos de pimentão, que tem encontra nesse ambiente as condições ideais para o seu desenvolvimento, ou seja, calor e proteção contra os fatores abióticos do clima.
Figura 4. A. Acaro adulto; B. Colônia de ácaro rajado em pimentão. Autoria das fotos: A. Flavia M.V.T. Clemente; B; Jorge A. Guimarães
Outras pragas também ocorrem no pimentão e merecem destaque, tais como o ácaro-branco (Polyphagotarsonemus latus), a mosca-branca (Bemisia tabaci), o pulgão verde (Myzus persicae) e os tripes (Frankliniella schultzei e Thrips palmi). Essas pragas causam danos diretos e indiretos a cultura (Figura 5). A mosca-branca, o pulgão e os tripes são importantes vetores de viroses e devem monitorados continuamente, para evitar a propagação de doenças.
Figura 5. Pragas do pimentão. A. Acaro branco. B. ovos de acaro branco na folha do pimentão. C. Colônia de pulgões verdes. D. Tripes na flor do pimentão. Autoria das Fotos: A, B, D: Alexandre Pinho de Moura. C, Jorge A. Guimarães
O manejo de pragas no pimentão é geralmente executado de maneira indiscriminada, de forma preventiva, por calendário e com uso de produtos não registrados para a cultura, causando desequilíbrios biológicos no agroecossistema, contaminação dos recursos naturais e dos frutos com resíduos químicos. Além disso, os frutos são coletados sem obedecer ao período de carência dos produtos, fazendo com que ocorra a presença de resíduos químicos.
Nesse caso, a PI atua por meio da regulação do uso de agrotóxicos para o controle de pragas, mediante o uso do monitoramento constante das populações de pragas e doenças. Com isto, os agrotóxicos somente serão aplicados quando realmente necessários, abolindo de vez a cultura dos calendários de aplicação de produtos químicos. Será elaborada a grade de produtos registrados para o pimentão, evitando que produtos sem registro sejam aplicados e, posteriormente, registrados como não conformidades em relatórios futuros das agências de fiscalização.
Além disso, a PI incentiva outras táticas de manejo para prevenir e regular as populações de pragas, entre elas o controle biológico é altamente incentivado, tendo em vista seu enorme potencial para auxiliar na regulação das principais pragas do pimentão, como por exemplo, o ácaro rajado que pode ser controlado satisfatoriamente com o uso do ácaro predador.
O controle cultural, com base na rotação de culturas, uso das plantas inseticidas, armadilhas adesivas para pragas voadoras e ainda as variedades resistentes são todas incentivadas pela PI como alternativas viáveis para auxiliar no manejo do pimentão, a fim de reduzir a dependência dos insumos químicos (Figura 6).
Figura 6. Armadilhas adesivas na cultura do pimentão para o monitoramento de pragas. (Foto: Jorge A. Guimarães)
É importante salientar que a adesão à PI Brasil é voluntária, ou seja ninguém é obrigado a aderir a este sistema. Porém, aqueles produtores que tem como objetivo a produção de alimentos de qualidade superior e que pretendem oferecer aos consumidores um produto diferenciado devem aderir ao sistema e cumprir os requisitos necessários.
O produtor interessado na PI pode contatar o Mapa ou o Inmetro para saber como proceder na adoção deste sistema de produção, inclusive verificar se o produto que deseja produzir já possui norma técnica publicada. Se tiver, então o Inmetro fornecerá a lista de empresas acreditadas na certificação do produto. Caso não tenha norma, então o Mapa analisará a proposta do setor e construirá as diretrizes, as quais são elaboradas por colegiados formados por especialistas de órgãos públicos e privados, além de representantes de cooperativas e empresas. As regras estão relacionadas à capacitação de trabalhadores rurais, manejo, responsabilidade ambiental, segurança alimentar e do trabalho e rastreabilidade.
Com relação à PI pimentão, foi firmado um termo de cooperação entre o Mapa e a Embrapa Hortaliças com os seguintes objetivos: (1) instituir um Comitê Gestor do PI Pimentão; (2) elaborar as Normas Técnicas Específicas para a Produção Integrada de Pimentão, com base nas Diretrizes Gerais da Produção Integrada, estabelecidas pela Instrução Normativa no. 20/2001 do Mapa; (3) elaborar a grade de agrotóxicos registrados para a cultura do pimentão; (4) elaborar e adequar os cadernos de campo e pós-colheita; (5) realizar treinamentos para formação de técnicos multiplicadores e executores, bem como capacitar produtores para condução do sistema de PI Pimentão; (6) difundir as Boas Práticas Agrícolas e APPCC no cultivo de pimentão e (7) elaborar publicações técnicas para auxiliar na divulgação do sistema de PI Pimentão e dar suporte aos treinamentos (Figura 4).
Dessa forma, a equipe de pesquisadores da Embrapa Hortaliças, juntamente com os técnicos da Emater DF, vem trabalhando intensamente no desenvolvimento da Norma Técnica para atender as realidades da cadeia produtiva do pimentão. Numa primeira etapa, o termo de cooperação tratará principalmente da construção da norma propriamente dita, enquanto que na segunda etapa, após a publicação da Norma, o projeto atuará na divulgação e no treinamento dos produtores para adequação a esta nova realidade. Finalmente, numa terceira etapa o projeto atuará no processo de adesão e aplicação dos preceitos da norma nas propriedades interessadas.
Ao final do processo, espera-se que a Produção Integrada de Pimentão possa controlar os problemas encontrados atualmente e melhorar os processos de forma geral, a fim de beneficiar tanto os produtores, por meio de uma gestão mais eficiente e profissional de seu agronegócio, como também os consumidores, através da possibilidade de obter pimentões livres de resíduos, com qualidade superior, comprovada por meio do selo de qualidade da Produção Integrada.