A mosca-dos-estábulos, Stomoxys calcitrans, é um problema sério que tem sido enfrentado pelos pecuaristas de alguns estados brasileiros e que tem causado significativas perdas no setor produtivo de bovinos. Explosões populacionais dessa mosca têm sido associadas à implantação de canaviais em que a vinhaça vem sendo aplicada sobre a palhada que é mantida no local após o corte da cana-de-açúcar, sendo um excelente substrato para desenvolvimento das fases jovens dessa mosca. Já a mosca doméstica, Musca domestica, se reproduz em quase todos os tipos de matéria orgânica e pode ser transportadora de bactérias, vírus e protozoários, causadores de doenças aos humanos e animais. Diante desse contexto, o objetivo geral da tese de Doutorado foi determinar espécies de ácaros predadores da família Macrochelidae encontradas em fazendas do Estado de São Paulo, e avaliar o efeito desses predadores como possíveis agentes de controle da mosca-dos-estábulos e da mosca doméstica.
Estudos foram conduzidos no departamento de Entomologia e Acarologia da ESALQ/USP em Piracicaba/SP e no laboratório de Entomologia Veterinária da EMBRAPA Gado de Corte em Campo Grande/MS. Testes de predação, oviposição, avaliação da sobrevivência e tabelas de vida foram realizadas em laboratório com três espécies de Macrochelidae (Macrocheles embersoni, M. muscaedomesticae e M. robustulus) encontradas previamente em propriedades com rebanhos bovinos no estado de São Paulo. Os testes foram realizados em unidades experimentais plásticas, cuja base era coberta por uma camada da mistura de gesso e carvão ativado, mantida úmida pela adição diária de água destilada. Para cada espécie de predador, foram oferecidos números pré-determinados de ovos e larvas de S. calcitrans e M. domestica.
Os resultados em laboratório mostraram que cada fêmea adulta do predador M. embersoni foi capaz de predar diariamente cerca de até 23 ovos ou 35 larvas de mosca-dos-estábulos, com uma taxa média de oviposição de quatro ovos/dia. De acordo com a taxa de predação, ambas as espécies de moscas foram consumidas pelos predadores, no entanto M. muscaedomesticae e M. robustulus apresentaram as maiores taxas quando se alimentaram de ovos e larvas da mosca doméstica. Macrocheles muscaedomesticae foi capaz de predar uma média de 11 ovos ou 3 larvas de mosca doméstica, com uma taxa média de oviposição de dois ovos/dia. Quanto as taxas de sobrevivência dos adultos dos predadores, todas foram iguais ou superiores a 90% com todas as presas avaliadas.
Os resultados obtidos por este projeto mostram o potencial de ácaros Macrochelidae como predadores de ovos e larvas de moscas revelando a capacidade de se tornar no futuro um novo produto comercial e tornar-se parte de programas de Manejo Integrado de Pragas (MIP). Além disso, estes predadores apresentam alta taxa de crescimento populacional, dispersam-se de forma eficaz e mostraram relativa facilidade de criação em moscas e/ou nematoides.
A liberação desses predadores em campo traria grandes benefícios principalmente ao setor pecuário, uma vez que, no caso da mosca-dos-estábulos, existe o fato dos locais de aplicação dos produtos químicos não coincidir com os locais preferenciais de distribuição de S. calcitrans nos bovinos. Além disso, existe a crescente preocupação da seleção de indivíduos resistentes às moléculas constantemente usadas no setor agropecuário, contaminação do ambiente e do alimento que será comercializado.
No Brasil, existe até o momento apenas uma espécie de ácaro predador edáfico sendo comercializada. Desta forma, trata-se de uma tendência para o futuro que esses predadores estudados apresentem potencial para o controle biológico de S. calcitrans e M. domestica. Além disso, a associação desses possíveis produtos biológicos com outros inimigos naturais (parasitoides e predadores) certamente contribuirá para o sucesso de um programa de MIP nas áreas afetadas.