O exemplo das mamangavas e o que devemos aprender para aplicar a meliponicultura na polinização

A utilização das abelhas do gênero Bombus para polinização de tomate é o melhor exemplo para vislumbrar o futuro da meliponicultura aplicada à polinização agrícola e fundamentar as ações das partes envolvidas.

Há cerca de 100 anos atrás, pesquisadores e naturalistas davam os primeiros passos no sentido de conhecer, domesticar e multiplicar colônias de Bombus, popularmente conhecidas como mamangavas. Jamais imaginariam que, 100 anos depois, mais de 1.000.000 de colônias seriam vendidas anualmente para a polinização de plantios de tomate.

Durante as primeiras décadas os esforços foram voltados para pesquisa básica, com o objetivo de conhecer a biologia reprodutiva das mamangavas. Os primeiros avanços foram conseguidos na fundação de colônias a partir de rainhas fecundadas coletadas no ambiente natural após o período de hibernação. Após longos períodos de investigação por diversos pesquisadores, acumulou-se um grande conhecimento sobre técnicas para estimular a postura por rainhas coletadas na natureza, aumentando o sucesso desses procedimentos e permitindo multiplicar as colônias.

Posteriormente, investiu-se no controle da cópula e do processo de hibernação das rainhas, que foram passos essenciais para produção de colônias em escala industrial. Quando a rainha atinge seu amadurecimento sexual é colocada em uma gaiola com alguns machos e, em condições ambientais adequadas, a cópula ocorre com sucesso. Depois ela é colocada em temperaturas baixas para estimular a hibernação, processo obrigatório no desenvolvimento das rainhas. Pesquisadores descobriram que bastava promover uma narcose de CO2 para interromper a hibernação das rainhas, permitindo assim iniciar novas colônias ao longo de todo o ano, não só no período de reprodução natural.

O próximo passo foi o aprimoramento das técnicas de crescimento das colônias recém fundadas, cujo principal problema era a alimentação suplementar. O pólen coletado a partir de colônias de Apis mellifera foi utilizado com sucesso pelas colônias de Bombus, desde que fosse oferecido fresco ou mantido congelado até sua utilização. O néctar foi eficientemente substituído por solução de açúcar 50%.

Apesar dos avanços significativos realizados em laboratório, os criadores comerciais de colônias enfrentaram muita dificuldade inicialmente para atender a grande demanda da polinização do tomate devido às altas taxas de insucesso na formação de novas colônias. Por isso, as grandes companhias investiram em pesquisa durante as últimas duas décadas, focando os detalhes refinados da ativação das rainhas e desenvolvimento das colônias. Com isso cada empresa desenvolveu sua própria tecnologia para criação comercial dessas abelhas, cujos detalhes não são divulgados por razões comerciais.

As mamangavas começaram a ser usadas na polinização de tomate por volta de 1985, na Europa. Os primeiros produtores de tomate que substituíram a polinização manual por polinização por abelhas Bombus conseguiram preços recordes em seus produtos porque os tomates produzidos através de polinização natural tem sabor melhor do que as frutas produzidas através de polinização manual, seja através de vibração ou tratamento com hormônios. Em pouco tempo o interesse por colônias aumentou extraordinariamente. Como ainda não era possível atender essa demanda, muitas pessoas começaram a coletar rainhas e colônias incipientes no ambiente natural, causando sérios impactos ambientais. Alguns países chegaram a proibir a atividade. Esses problemas ambientais só foram superados mediante os avanços tecnológicos realizados nas grandes companhias comerciais.

Logo vários outros países se interessaram na obtenção de colônias para polinização. Obviamente, o ideal seria que cada local produzisse suas próprias colônias utilizando as populações locais de abelhas para evitar hibridização, introdução de espécies não nativas e transmissão de doenças. Limitações governamentais ocorreram em diversos países para estimular o desenvolvimento de criações locais e dificultar as importações. Apesar das restrições, colônias têm sido introduzidas inclusive em locais onde elas não são nativas, como na Nova Zelândia, Japão e América Latina. Do ponto de vista industrial e comercial é muito mais vantajoso economicamente formar grandes centros de produção de colônias e transportar as colônias ao seu destino final.

O exemplo da utilização de Bombus na polinização de tomate evidencia que a tecnologia de criação e multiplicação das abelhas precisa estar suficientemente desenvolvida antes de serem divulgadas as aplicações. Caso contrário, as populações naturais dos polinizadores serão exaustivamente saqueadas.

O argumento principal para a conservação dos recursos naturais e da diversidade biológica é a preservação de benefícios potenciais para a humanidade. Assim, as pesquisas básicas sobre a biologia desses organismos deve ser prioridade, sem depender de argumentos envolvendo utilidade humana.

Os aprimoramentos na produção tecnológica são medidos somente por valores econômicos. Assim, novas tecnologias somente serão aceitas pelos agricultores se existirem perspectivas econômicas. Sem essa perspectiva, experimentos sobre as possibilidades biológicas para utilização de novos polinizadores são difíceis de tornar-se realidade.

Finalmente, o exemplo das mamangavas evidencia que houve problemas consideráveis causados pela dificuldade de comunicação entre pesquisadores, governos e agricultores, porque cada grupo possui diferentes prioridades

FONTE: Velthuis HHW. 2002 The Historical Background of the Domestication of the Bumble-Bee, Bombus Terrestris, and its Introduction in Agriculture. IN: Kevan P & Imperatriz Fonseca VL (eds) – Pollinating Bees – The Conservation Link Between Agriculture and Nature – Ministry of Environment / Brasília. p.177-184.

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