A BIODIVERSIDADE É BASE PARA O MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS

O trabalho que venho fazendo ao longo de trinta anos como consultor é buscar o equilíbrio entre uma boa produtividade e o uso racional de recursos, especialmente água, energia e trabalho. Provavelmente esta visão deve-se ao impacto, vivenciado na minha adolescência, da primeira crise do petróleo em 1973. Nesta época da vida tudo parece urgente e carente de alternativas. Somou-se a isto o grande impacto que o aumento dos preços do petróleo teve sobre os insumos agrícolas, que na época utilizávamos na produção em um pequeno sitio da família. Isto marcou profundamente a minha trajetória posterior como agrônomo-consultor-pesquisador.

Ao longo da minha biografia profissional fui mudando o foco de trabalho inicial de substituição de insumos para aperfeiçoamento de processos de produção e agora, em anos mais recentes, a melhor compreensão das relações entre os processos sobre a sustentabilidade na agricultura e pecuária. Deixei finalmente de buscar a eficiência localizada para trabalhar com a produtividade global do sistema de produção. A partir de então pude compartilhar com os clientes uma liberdade maior de planejamento e gestão mais focada no ganho final que no controle de custos.

Neste sentido foi natural a opção por processos de produção que favorecem a biodiversidade como chave para o manejo evitando o uso de recursos e técnicas que reduzam demais as redes biológicas que sustentam a vida. A biodiversidade oferece para os ecossistemas de produção (agroecossistemas) funções críticas que não podem ser substituídos por tecnologias, como pesticidas e herbicidas indefinidamente, sem danos ao ambiente e consequente saúde financeira da propriedade.

Para não ficar somente em discussões distantes da produção gostaria de apresentar duas experiências vividas nos últimos anos de aplicação desta forma de olhar para a produção.

A primeira foi a solicitação de um grupo de clientes que produz pimentão tomate e pepino em cultivo protegido no centro-oeste do estado de São Paulo para auxiliar no controle de nematóides que vem diminuindo muito o retorno econômico da atividade.

Não tem sido um trabalho fácil principalmente porque estamos sempre procurando soluções rápidas e mágicas para problemas estruturais que só podem ser minimizados com mudança contínua e persistente das causas que dão sustentação ao problema. Mas temos conseguido resultados interessantes que puderam ser apresentados no programa globo rural a algum tempo (http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/t/especial-de-domingo/v/em-sp-produtores-de-pimentao-se-esforcam-para-reduzir-a-quantidade-de-agrotoxicos/3367680/ )

Recentemente li em um artigo as palavras de entomologista americano Benjamin Walsh que ainda no século 19 escreveu:

“Deixe um homem professar ter descoberto um novo pó de  pimlimpimpim, que com uma única pitada jogada em cada canto de um campo vai matar todos os insetos da área e as pessoas vão ouvi-lo com atenção e respeito.

Mas falar-lhes de qualquer plano simples, com base em princípios científicos corretos, para manter dentro de limites razoáveis ??os insetos inimigos do agricultor  e eles vão rir com desprezo.”

Partilhando uma visão semelhante , entendo que uso continuado de adubos solúveis, inseticidas e fungicidas seleciona e permitem a sobrevivência no solo de um pequeno grupo de organismos que não conseguem manter a população de nematóides em níveis aceitáveis. Em minha opinião deveríamos aumentar a diversidade e a quantidade de organismos no solo, para isto sugeri a utilização de biofertilizante em complementação a fertirrigação. Não se trata de utilizar um litro de uma matéria orgânica milagrosa, mas a aplicação constante e rotineira de um fermentado liquido estabilizado para fornecer substrato e inoculo para a multiplicação de diversos microorganismos.

Estes seriam a base de uma rede biológica capaz de produzir um serviço ambiental desejado, de gestão de pragas, inclusive para manter os nematóides em níveis aceitáveis.

Mas com as características climáticas do oeste de São Paulo e ainda potencializadas pelas estufas teríamos que agir mais forte com uso de cobertura morta no solo e colocação de pequenos aspersores para manter a palha de cobertura úmida. Pronto, criamos as condições para uma comunidade mais diversificada e ativa no solo. O uso destes micro-aspersores foi ajustado para evitar problemas com aparecimento de doenças bacterianas.

Mas ainda estávamos usando defensivos com muita frequência impactando o desenvolvimento de microorganismos no solo.

Seguindo a mesma lógica de intervenção  baseada em pesquisas sobre ecologia que demonstram que dentro de um ecossistema a diversidade de espécies pode reduzir populações de praga, e  evitando usar agentes biológicos de forma muito direcionada, tentamos favorecer o estabelecimento de comunidades biológicas viáveis de serem mantidas dentro das  estufas. E confiamos que  as redes biológicas produziriam serviços ambientais adequados, para manejo de doenças e pragas.

Passamos a utilizar os micro-aspersores para inoculação semanal de fungos entomopatógenos e para ajudar no controle de oídio começamos a utilizar um fermentado de calda de arroz que também, pudemos notar,  tem algum efeito sobre a população de ácaros.

Estas práticas levaram a uma mudança significativa na rede de biológica dentro das estufas diminuindo muito a pressão de pragas e doenças sobre as culturas. Nesta ocasião passamos a utilizar ácaros predadores que levaram a reduzir drasticamente a aplicação de defensivos. Infelizmente não pudemos contar , na época, com predadores como o orius insidiosus que pudesse auxiliar no controle mais efetivo de tripes , e não tivemos outra opção a não ser manter o controle químico .

Foi um trabalho muito interessante onde pudemos contar com o acompanhamento de uma pesquisadora que monitorou a população de nematóides em estufas de pimentão. Repetindo ao longo do ciclo de produção centenas de amostragens em diversos pontos estufas pode demonstrar a dinâmica destas populações e verificar que as diversas espécies apresentaram redução de população.

Um segundo trabalho que esta em curso e gostaria de relatar é nossa atuação junto ao Núcleo de Estudos em Agroecologia de Avaré –SP. Esta é uma iniciativa do Instituto Federal de São Paulo em parceria com a Cati e a prefeitura municipal e com apoio do CNPQ. Em meados de 2014 este grupo solicitou nossa colaboração no desenvolvimento de um sistema de produção de base agroecológica para quatro unidades demonstrativas que estavam implantando.

O núcleo havia feito um diagnóstico dos horticultores da região que expôs alguns problemas para os quais gostariam de alternativas. O trabalho de campo tinha intensa participação das mulheres e de idosos que se queixavam de dores pelos trabalhos físicos, uso intenso de enxada rotativa com compactação do solo, gastos elevados com adubos e defensivos, pouca disponibilidade de água. Mas puderam identificar algumas oportunidades: as compras governamentais não estavam sendo atendidas pelos produtores e havia consumidores interessados em produtos orgânicos.

Apesar da produção, neste caso ser realizada a campo, iniciamos com as mesmas ferramentas do exemplo anterior a cobertura do solo com palha e o uso de biofertilizante, mas aqui cumprindo ainda mais funções dentro do agroecossistema. A cobertura morta aqui teria que controlar também o crescimento do mato para evitar a capina. E o biofertilizante teria que ser capaz de substituir totalmente a adubação química de plantio e cobertura.

Para os trabalhos de preparo de solo temos usado a chamada broca de água em lugar da enxada rotativa que foi aposentada, esta técnica é aplicada por plantadores de uva para abertura de covas. Adaptamos para descompactar o solo, colocar calcário em profundidade, além de abrir as covas adubadas, pois ao invés de usar água no processo utilizamos biofertilizante.

O uso da cobertura morta se mostrou adequada no controle de mato mas dificultava o plantio das mudas então partimos para a produção de mudas altas. É uma técnica já conhecida principalmente para frutas e café , quando fazemos um plantio em bandeja normalmente, mas que são transplantadas para recipientes maiores onde permanecem mais algum tempo antes de plantio definitivo a campo. Isto facilita o plantio direto, economiza água, auxilia no controle de pragas e doenças, mas também usa menos espaço na horta abrindo locais para rotação de cultura e faixas vegetadas para preservação de biodiversidade no ambiente de produção. Também facilitou o plantio consorciado de hortaliças de ciclo longo e de ciclo curto reduzindo ainda mais o uso de terra e de água.

Neste primeiro ano o sistema de produção batizado de PMB, palha – muda alta – biofertilizante,  mostrou bastante adequado a condição dos agricultores da região. E também foi muito procurada pelo publico visitante de uma recente feira de agricultores. As pesquisas realizadas pelo núcleo demonstraram que os gargalos identificados foram contornados.

Agora se pretende a ampliação das variedades de hortaliças ofertadas para aumentar a venda de cada ponto de entrega e diminuir as despesas com logística.

Como neste caso, o uso de defensivos químicos não é uma opção,  estamos focados no estabelecimento de uma complexa  rede biológica para produzir serviços ambientais suficientes para manter saúde das culturas. As comunidades naturais de insetos são notadamente muito diversificadas e o entendimento da inteiração  das espécies nestas redes biológicas é muito complicado. Mas estamos conseguindo bons resultados, o uso de mudas altas e palha têm facilitado o manejo do mato dentro das hortas. Os agricultores estão menos ansiosos com esta presença fundamental da vegetação nativa, para fornecer abrigo e alimento alternativo para os inimigos naturais  que irá permitir a produção de alimentos ecologicamente sustentáveis a longo prazo.

Pelos exemplos colocados acho que os desafios para o crescimento do manejo integrado de pragas passam por uma abordagem ampla do agroecossitema. Devemos questionar o maior número de inteirações possível, inclusive em relações a tecnologias aplicadas, utilização de máquinas, qualidade do trabalho e resultado econômico global.  Não adianta buscar eficiência local, mas resultado global da atividade.

No aspecto tecnológico creio que devemos nos aperfeiçoar nos aspectos de monitoramento, uso de plantas nativas e outras que ajudam no manejo de pragas.  Técnicas de introdução e manutenção de população de presas não causadoras de danos a cultura, pois é o equilíbrio das espécies nas comunidades que mantém populações de pragas baixa. Em horticultura as pragas de controle mais difícil tem sido o tripes e lemas e não temos atualmente opções viáveis.

Mas acho fundamental um amplo fomento para que jovens ecologistas a trabalharem na agricultura, silvicultura e horticultura. É uma formação que exigem muita dedicação e estudo dos insetos, fitopatologia, nematologia , técnicas de aplicação de defensivos químicos e biológicos além da habilidade de construção e análise de cenários econômicos .  Com a complexidade da produção agrícola sustentável, o gestor de praga, hoje, necessita de maior profundidade e amplitude de conhecimento. Além da capacidade de trabalho em rede com outros profissionais para ampliar o seu leque de opções de manejo.

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