O potencial das agtechs

Com o devido suporte, startups do agro tendem a se multiplicar no país.

Por Adriana Ferreira

Há muitas definições para o termo startup, mas uma delas tem sido aceita pela maioria dos especialistas. Trata-se de uma empresa que oferece produto e/ou serviço inovador, repetível e escalável, em busca de um modelo de negócios.

A vice-presidente da Associação Brasileira das Startups (ABStartups), Tania Gomes Luz, é mais específica e diz que “startup é toda empresa que tem uma base tecnológica, passível de ‘escalabilidade’ global, sem aumento de mão de obra e estrutura”.

Normalmente, as startups que conseguem prosperar estão amparadas por um ambiente que inclui universidades, centros de pesquisa e inovação, grandes empresas e investidores.

A cidade de Piracicaba (SP) é hoje reconhecida como o principal ecossistema para as startups do agro, denominadas agtechs. Isso talvez explique a maior concentração delas em São Paulo, conforme mostra a segunda edição do Censo AgTech Startups Brasil, produzido pela AgTech Garage em parceria com a ESALQ-USP. Segundo o levantamento, 46% desses empreendimentos se encontram no Estado de São Paulo, na sequência vêm Minas Gerais, com 16%, e Paraná, com 12%.

O engenheiro agrônomo Sergio Marcus Barbosa, que está à frente da ESALQTec, incubadora da ESALQ-USP, desde sua fundação, explica as origens do polo de inovação de Piracicaba. “Somos um ecossistema tecnológico que se iniciou no século 19 com o Engenho Central, posteriormente a criação da ESALQ, em 1901, e empresas de grande relevância, na segunda metade do século 20.”

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O Vale do Piracicaba/Agtech Valley nada mais é que uma denominação para esse ecossistema que já tinha suas bases alicerçadas. Assim, em maio de 2016, junto com o empresário José Augusto Tomé, do coworking CanaTec, e o professor da ESALQ-USP Mateus Mondin, Barbosa lançou, na sede da Associação Comercial e Industrial de Piracicaba, a campanha pelo reconhecimento dessa marca, com o objetivo de fortalecer a identidade tecnológica local e estimular o desenvolvimento da região, que se consolida como uma espécie de “Vale do Silício” brasileiro.

De uma estimativa de pouco mais de 300 startups do agro no país, 184 participaram do Censo AgTech Startups Brasil. O estudo mostrou que 55% delas mantêm relacionamento com o meio acadêmico e mais da metade é formada por equipes de até seis pessoas. Empresas com mais de dez funcionários representam apenas 23% do total.

Há controvérsias em relação aos critérios aplicados para identificar as startups, por isso não se sabe o número exato desses empreendimentos no país, mas o segmento está em expansão.

Os números e as análises dos especialistas mostram que o movimento das agtechs se encontra em estágio inicial e enfrenta grandes desafios, como o ambiente de negócios brasileiro, tido como hostil para o empreendedorismo.

Mas é inconteste o potencial do setor, tendo em vista as boas perspectivas da agropecuária nacional. “Em 2015, tínhamos 30 projetos apoiados e atualmente são 112. A tendência é crescer cada vez mais.

O agronegócio brasileiro exigirá tecnologia e inovação, pois faz parte do DNA do nosso produtor. O tamanho do desafio é o tamanho da oportunidade”, assinala Barbosa.

Os produtos e serviços oferecidos pelas agtechs servem a todas as etapas da produção, são ferramentas voltadas à agricultura de precisão, drones e robótica aplicada no campo, uso de satélites, big data, internet das coisas (IoT), inteligência artificial e sistemas de gestão, dentre outros.

Para os engenheiros agrônomos é um vasto campo a ser explorado, mas os especialistas ressaltam que a capacidade de interagir com outras áreas será essencial.

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O cobiçado capital

Das agtechs entrevistadas pela pesquisa, 54% receberam investimentos, 31% não receberam e 15% contam com recursos empregados por familiares e amigos. “Os primeiros investimentos, normalmente chamado de investimento anjo ou seed, possuem menor valor. Quando a startup começa a “escalar”, ela necessita de um aporte maior e é nesse momento que vai em busca desse recurso no mercado. Porém as fontes são limitadas”, comenta Tania, da ABStartups, que possui mais de mil associados e cerca de 7 mil empresas registradas.

Embora considere os recursos restritos, os canais de acesso a eles, na opinião da dirigente, hoje são mais democráticos. “Quando uma pré-aceleradora abre um processo de seleção de startup, ela abre para o Brasil todo. Não existe a necessidade da presença física diária na aceleradora”, informa Tania.

Quem está em São Paulo pode contar com o Fundo de Inovação Paulista (FIP), idealizado e lançado pela Desenvolve SP em 2012. Com patrimônio de R$ 105 milhões direcionados para startups de base tecnológica do Estado e ênfase nos setores de tecnologias agropecuárias (agtechs), tecnologias em saúde (healthtechs) e tecnologias financeiras (fintechs).

O FIP, que também tem como investidores a Fapesp, a Finep, o Sebrae-SP, o Banco de Desenvolvimento da América Latina, CAF e Jive Investments, já aportou recursos em 12 agtechs, por meio da SP Ventures, sua gestora.

O papel do fundo é ser um “sócio passageiro” para alavancar o crescimento da nova empresa, que detém de 20% a 49% do capital, por um período de oito a dez anos. Concluída essa fase, há três caminhos possíveis: o empreendedor pode contar com a entrada de outro sócio investidor, comprar a participação do fundo e retomar o controle total do negócio, ou vender a empresa.

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Além de uma equipe qualificada, o fato de a agtech já ter passado pelas principais aceleradoras de negócios do país, é uma referência importante, segundo afirmou o CEO da SP Ventures, Francisco Jardim, em entrevista recente ao jornal DCI. Clareza na apresentação do modelo de negócio e uma boa argumentação, para provar que a empresa possui a solução para um problema relevante, são fundamentais.

Histórias que inspiram

Em 2017, a Gênica, startup de biotecnologia, foi uma das empresas que recebeu investimentos da SP Ventures. O aporte foi de R$ 6 milhões. O recurso está sendo utilizado para robustecer a operação de distribuição, incrementar a equipe de desenvolvimento de mercado e fortalecer alianças, especialmente no cerrado. Além do desenvolvimento de novos produtos como, por exemplo, a vacina contra a ferrugem asiática, principal doença da soja, que deve ser lançada em 2020.

Dois anos antes de receber o aporte, o engenheiro agrônomo, esalqueano, Fernando Reis, que mora em Rondonópolis (MT), decidiu fundar a Gênica e não teve dúvidas de que o melhor lugar para instalar seu empreendimento seria o Agtech Valley. O ambiente inovador e a forte presença de investidores o atraíram. “Um dos fatores do sucesso da Gênica foi estar ali. Por isso sou grande defensor do ecossistema de Piracicaba, ele funciona mesmo”, afirma o empresário.

Ele acrescenta: “Não dá para ter dez pontos de agtechs no Brasil, mas Piracicaba tem muito potencial. Outro ecossistema que tem tudo para dar certo é o AgriHub, em Cuiabá. Conhecimento científico, espírito empreendedor e acesso ao capital estão presentes nesses locais”.

Reis, que saiu da operação e se tornou membro do Conselho da Gênica, vê com entusiasmo o futuro das agtechs e, obviamente, de seus negócios. A projeção é aumentar em 50% o faturamento da empresa este ano.

As perspectivas para a utilização de biodefensivos na agricultura ajudam a explicar o bom desempenho das startups desse nicho. Segundo estimativas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, embora esse mercado represente menos de 2% dos produtos de proteção de cultivos, até 2020, a participação de soluções biológicas será de 20%, sendo responsáveis por cerca de 15% do faturamento do segmento.

Veterana no setor, a Promip nasceu na ESALQTec, em 2006. Foi a primeira a receber investimento da SP Ventures e a primeira empresa no Brasil a produzir, registrar e comercializar ácaros predadores. Em 2015, comprou a mineira Insecta, que produzia insumos para a fabricação das vespas Trichogramma pretiosum e Trichogramma galloi. Hoje, atende grandes produtores, que representam 60% de sua carteira, e tem uma fábrica com mais de cem funcionários em Engenheiro Coelho (SP).

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Ao recordar o início de tudo, Marcelo Poletti, fundador da Promip, reconhece que a ESALQTec lhe deu uma base inicial importante. “Quando decidi montar uma empresa como egresso de um curso de doutorado na ESALQ, engenheiro agrônomo com perfil de cientista, tive dificuldade de transformar a minha tese em um plano de negócio e a incubadora me forneceu ferramentas que ajudaram muito”, diz.

Poletti acredita que o longo período de desenvolvimento dos produtos nessa área, o que inclui a burocracia nas questões regulatórias no Brasil, pode ser um entrave para quem está começando. Mas, assim como os demais players, vê grandes oportunidades para as agtechs. A expectativa para os seus negócios em 2019 é positiva, ele projeta um crescimento de 50% a 70% para a empresa, alcançando uma participação no segmento entre 1% e 3%.

O empresário conclui, lembrando que a Promip é uma empresa de engenheiros agrônomos, 60% do quadro é formado por profissionais da agronomia, que trabalham em diversas áreas.

Na pecuária também

No ritmo acelerado, característico das startups, a @Tech (ArrobaTech), empresa de soluções tecnológicas para agropecuária de precisão, surgiu em 2015, também incubada na ESALQTec, no mesmo ano lançou seu principal produto, o BeefTrader. No ano seguinte, foi reconhecida por importantes instituições. Em 2018, inaugurou sua sede, em Piracicaba. A empresa, que começou com três pessoas, tem 30 colaboradores e prepara sua internacionalização.

O software BeefTrader, para a gestão de bois em confinamento, é o carro-chefe da agtech. Com o uso desse programa, o produtor tira o boi do confinamento no melhor momento para vender.

“O incremento na lucratividade pode passar de 30%. Coletamos informações dos animais, como peso e altura, e avaliamos, no confinamento, o custo operacional. Sempre que o animal vai beber água, é pesado em balanças de empresas parceiras, com câmeras desenvolvidas por eles”, explica Marcos Debatin Iguma, gestor comercial da @Tech, que monitora mais de 1.500 animais em todo o Brasil.

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O crescimento meteórico é fruto de muita dedicação do fundador da companhia, o médico veterinário Tiago Z. Albertini. Mas o suporte inicial recebido na incubadora também fez a diferença. Iguma diz que foi essencial estar dentro da ESALQTec, por conta da visibilidade e das indicações para investidores. “Não ter de pagar aluguel, que representa um custo muito alto para as empresas, nos ajudou bastante. Além disso, tem o smart money, que é justamente a inteligência que vem junto com uma incubadora ou com um investidor”, acrescenta o executivo.

Iguma diz que as perspectivas são as melhores para este ano. “A meta é agressiva, queremos ultrapassar os 200 mil animais”, conclui.

O produtor e a inovação Se por um lado há uma parcela do mercado que acredita que é preciso disseminar a cultura de inovação entre os produtores brasileiros, por outro, há exemplos claros de que os bons resultados da agropecuária nacional se devem exatamente à aderência de agricultores e pecuaristas às novas tecnologias.

O grupo Água Tirada, em Maracaju (MS), é um dos clientes da @Tech. Com mais de 50 anos de tradição, possui 8 mil cabeças de gado e realiza o ciclo completo de cria, recria e engorda.

Ana Nery Terra Souza, uma das proprietárias, afirma que a inovação está no DNA da empresa. “O avô do meu esposo foi a primeira pessoa a comprar uma geladeira e um trator na cidade. Meu sogro foi o primeiro a fazer inseminação artificial, há 50 anos”, conta.

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Eles adotaram o BeefTrader e estão testando em um lote com 110 garrotes. Ana está animada com os resultados. “O gado com a nossa genética está dando 30% a mais de ganho no confinamento que outros garrotes oriundos de outros plantéis. Em alguns casos, a diferença é 40% a mais que os touros comuns”, afirma a empresária, que faz questão de informar que sua cidade, Maracaju, foi eleita uma das mais empreendedoras do Brasil, em pesquisa desenvolvida pelo Sebrae.

Seguramente, os produtores engajados no conceito da nova agricultura, com o uso integrado de tecnologias, aumento da intensificação e escalabilidade e respeito à sustentabilidade socioeconômica e ambiental, estão à frente dos demais.

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Conectar é preciso

A baixa conectividade no campo é um dos desafios que o Brasil precisa vencer para ingressar de vez na agricultura digital e alavancar o segmento das agtechs. Algumas regiões ainda apresentam somente a conexão 3G, outras não dispõem nem desse tipo de conexão de internet.

Na maioria das vezes, a conectividade no campo é realizada por meio de rádios com frequência livre (2,4 GHz e 5,8GHz), que oscilam muito, conforme explicou Basílio Perez, presidente da Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), em matéria publicada no site da Agrishow.

O dirigente informa, na mesma publicação, que uma solução mais ampla pode ser a disponibilização de uma nova frequência, que atualmente é subutilizada e utilizada exclusivamente pela Polícia Federal – a faixa de 450 megahertz (MHZ). A Abrint tem pleiteado que essa banda de radiofrequência seja disponibilizada por meio de leilões públicos.

A proprietária do Grupo Água Tirada, Ana Nery, conta que tiveram de investir pesado em conectividade. “As empresas não dão conta de nos fornecer com qualidade”, afirma. Ela não revela valores, mas diz que o custo é alto. Entretanto, faz uma ressalva: “Esse custo tem de ser considerado como investimento quando se quer trabalhar com tecnologia e qualidade”.

De maneira geral, produtores e startups têm conseguido encontrar alternativas. Predomina a certeza de que a solução virá. “Essa onda ninguém segura. Não me preocupo se vai ou não. A questão é quando”, sintetiza Fernando Reis, da Gênica.

Uma iniciativa recente mostra o interesse das operadoras de telecomunicações. Vivo e Ericsson juntamente com a Raízen, em parceria com a ESALQTec, selecionaram seis startups para participar do Agro IoT Lab 2018 – programa de desenvolvimento de aplicações para o campo com foco em Internet das Coisas (IoT).

A Vivo fornecerá a frequência de 450 MHz de sua rede 4G para o programa (a utilizada por smartphones é de 700 MHz). A Ericsson ficará responsável pela instalação dessa rede e oferecerá sua plataforma IoT Accelerator para agilizar a integração dessas startups. A Raízen oferecerá a infraestrutura agrícola e acesso aos canaviais. As agtechs poderão trabalhar dentro do Pulse, o hub de inovação da empresa, que também conduzirá a aceleração e o contato com os mentores. A ESALQTec cuidará da facilitação acadêmica das tecnologias. A parceria ainda inclui a Wayra, o hub de inovação da Vivo.

“Esse projeto será algo revolucionário e viabilizará toda essa questão da conectividade, tão necessária para a nova agricultura. Acredito que no médio prazo os produtores brasileiros já poderão estar usufruindo desse benefício”, conclui Barbosa, diretor da ESALQTec.

Fonte: aeasp.org.br

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