ÁCAROS PREDADORES NO CONTROLE DE PRAGAS

A exigência do mercado consumidor por alimentos com alto padrão de qualidade e segurança alimentar tem alterado o paradigma de diversas cadeias produtivas no contexto da sustentabilidade técnica, ambiental e econômica. Como resposta, pesquisadores, extensionistas, técnicos e empresas ligadas ao setor produtivo agrícola, vêm buscando alternativas ao sistema convencional de produção, visando reduzir o uso de agrotóxicos para estimular o equilíbrio no agroecossistema. A adoção pelos sistemas alternativos de produção, como é o caso da produção integrada e da agricultura orgânica, tem favorecido consideravelmente a redução do uso de agrotóxicos. No caso da produção integrada o emprego de acaricidas, inseticidas e fungicidas é permitido, desde que sejam seguidas as normas técnicas estabelecidas para cada cultura. Por outro lado, na agricultura orgânica onde o uso de agrotóxicos é proibido, a adoção de estratégias alternativas ao controle químico é imprescindível.

Nesse cenário, o emprego de ácaros predadores tem se destacado em vários países, inclusive no Brasil, como ferramenta viável para o controle biológico aplicado de  ácaros e insetos-praga em diversas culturas, onde tradicionalmente o controle químico é é utilizado como estratégia exclusiva. Dentre os fatores que impulsionam o uso dos ácaros predadores para o manejo de pragas, destacam-se a inocuidade ao aplicador, meio ambiente e ao consumidor final, a possibilidade do manejo da resistência de ácaros e insetos-praga aos agrotóxicos e a isenção de um período de carência entre a aplicação (liberação do predador) e a colheita, o que é indispensável quando se emprega o controle químico. Além disso, os métodos empregados para liberação de ácaros predadores em campo são práticos e rápidos, permitindo com que o agricultor otimize seu tempo, gerenciando outras atividades em seu cultivo, além do controle de pragas.

As principais famílias de ácaros que contém espécies predadoras são Anystidae, Bdellidae, Cheyletidae, Cunaxidae, Phytoseiidae e Stigmaeidae (Yaninek & Moraes 1991, Gerson et al. 2003). Dentre esses, destacam-se os ácaros fitoseídeos, sendo que em todo mundo são conhecidas mais de 2.250 espécies, das quais cerca de 140 já foram reportadas no Brasil (Moraes et al. 2004).

Devido ao elevado potencial desses inimigos naturais, algumas espécies vêm sendo estudadas em diferentes países, observando-se que em alguns casos, a utilização desses agentes de controle biológico em programas de manejo de pragas apresenta-se em um estágio bastante avançado, empregando-se inclusive linhagens resistentes a agrotóxicos, fato esse que pode contribuir para o estabelecimento desses organismos, mesmo em áreas onde o uso de produtos químicos é realizado com freqüência (Hoy, 1985; Solomon et al., 1993; Blommers, 1994; Hardman et al., 2000).

ÁCAROS FITOSEÍDEOS

Os ácaros fitoseídeos (Acari: Phytoseiidae) raramente são maiores do que 0,5 mm quando adultos. Caracterizam-se taxonomicamente por apresentar nos estágios de deutoninfa e adulto um único escudo dorsal o qual apresenta um número máximo de 20 pares de setas. Nas pernas podem ser observadas “macrosetas”, que apresentam um tamanho significativamente maior do que as demais setas presentes nesse apêndice (Chant,1985).

Esses ácaros movem-se mais rapidamente do que suas presas e comumente são brilhantes. Possuem um ciclo de vida curto, sendo que em condições climáticas favoráveis e com boa disponibilidade de alimento, completam o desenvolvimento de ovo até adulto em aproximadamente uma semana. A maioria das espécies desta família apresenta um modo de reprodução denominado como pseudo-arrenotoquia ou parahaploidia. Neste tipo de reprodução, ambos os sexos são originários de ovos diplóides (2n) fecundados, porém, poucas horas após a fecundação, ocorre a perda do conjunto de cromossomos de origem paterna em alguns indivíduos, os quais darão origem aos machos haplóides (n) (Hoy, 1985). O período de oviposição geralmente varia entre 15 e 30 dias, sendo que as fêmeas ovipositam em média dois ovos por dia, dependendo da espécie e da fonte de alimento dentre outros fatores.

Os ácaros fitoseídeos podem ser divididos em quatro grupos distintos (I, II, III e IV), classificados de acordo com o hábito alimentar (McMurtry & Croft, 1997). Os predadores pertencentes ao grupo I são especialistas, alimentando-se exclusivamente de ácaros fitófagos do gênero Tetranychus. Destacam-se neste grupo, os fitoseídeos pertencentes ao gênero Phytoseiulus. Com relação aos ácaros do grupo II, são considerados predadores específicos de ácaros, porém, de modo contrário aos especialistas do grupo I, podem predar ácaros pertencentes a vários gêneros e famílias. Diferentes desses, os fitoseídeos pertencentes aos grupos III e IV são generalistas, podendo sobreviver e reproduzir-se sobre as mais diversas fontes de alimento tais como ácaros, pequenos insetos, pólen de plantas, fungos, etc. Os predadores do grupo IV levam uma pequena vantagem em termos reprodutivos, quando consomem apenas pólen de plantas, ao invés de presas ativas. Apesar dos ácaros fitoseídeos apresentarem diversos hábitos alimentares, nenhuma espécie causa injúrias às plantas.

EMPREGO DE ÁCAROS PREDADORES EM PROGRAMAS DE MANEJO INTEGRADO DE PRAGAS

Controle Biológico do Ácaro Rajado

O ácaro rajado, Tetranychus urticae, é considerado praga-chave em diversas culturas de importância econômica (Moraes & Flechtmann, 2008). Esse artrópode normalmente apresenta coloração esverdeada, com duas manchas dorsais escuras, devido ao acúmulo de massa alimentar nestes pontos. Possui cinco fases de desenvolvimento sendo ovo, larva, protoninfa, deutoninfa e adulto. Seus ovos são esféricos e amarelados sendo postos entre fios de teia. Após a eclosão, as larvas são incolores, translúcidas e de tamanho igual ao do ovo, caracterizando-se por apresentar três pares de pernas, o que as diferencia dos demais estágios móveis imaturos (ninfas) os quais possuem quatro pares de pernas. As fêmeas adultas medem cerca de 0,50 mm de comprimento e os machos aproximadamente 0,25 mm, sendo facilmente diferenciado da fêmea por apresentar a parte posterior do corpo afilada. O período de desenvolvimento de ovo a adulto desse ácaro fitófago pode variar entre 5 e 50 dias, dependendo dos fatores ambientais.

Ao se alimentar do conteúdo celular, causa o amarelecimento da folha reduzindo a capacidade fotossintética da planta. Mesmo preferindo a parte abaxial da folha, onde produz uma grande quantidade de teia, causando manchas branco-prateadas, seu dano direto também pode ser evidenciado com facilidade na face superior da folha, observando-se nesse caso puncturas cloróticas as quais evoluem até o secamendo da folha. Inicialmente a colonização do ácaro rajado ocorre nas folhas mais velhas, porém após seu estabelecimento na cultura a população distribui-se por toda planta (Jeppson et al., 1975). Geralmente, quando a densidade populacional dessa praga atinge níveis elevados, e/ou durante as horas mais quentes do dia, os ácaros tendem a se dispersar para a parte superior da planta tecendo uma grande quantidade de teia, o que é facilmente visível. Climas quentes e secos favorecem as infestações dessa praga em campo.

As principais espécies de ácaros fitoseídeos utilizadas em programas de controle biológico aplicado do ácaro rajado são aquelas pertencentes aos Grupos I e II, quanto ao hábito alimentar, destacando-se: Phytoseiulus persimilisP. macropilisP. longipesNeoseiulus californicus Galendromus (=Metaseiulusoccidentalis. No Brasil, o emprego de N. californicus P. macropilis (Figura 1) tem se destacado na cultura do morango, crisântemo, gérbera, maçã e pêssego, dentre outras (Ferla et al., 2007; Poletti, 2007; Bellini et al., 2006; Sato et al., 2006; Monteiro, 2002; Watanabe et al., 1994).

Adultos destas duas espécies são facilmente diferenciados em campo, sendo que N. californicus normalmente apresenta coloração que varia de palha a amarelo-escuro e P. macropilis coloração avermelhada. Por outro lado nestas condições, N. californicus pode ser confundido com outras espécies tais como N. idaeusN. barkeri Amblyseius spp., as quais geralmente ocorrem no mesmo nicho. Neste caso, em programas de controle biológico onde N. californicus é utilizado em liberação massal, é importante que coletas de exemplares para a identificação em condições de laboratório sejam realizadas periodicamente, mantendo-se a qualidade do programa.

Além das diferenças morfológicas e taxonômicas entre N. californicus P. macropilis outro importante aspecto que diferencia essas espécies é o hábito alimentar (McMurtry e Croft, 1997). Apesar de N. californicus alimentar-se preferencialmente do ácaro rajado, na ausência desta presa pode consumir outras fontes de alimentos tais como pequenos insetos, outras espécies de ácaros fitófagos ou até mesmo pólen. Já o ácaro P. macropilis é especialista quanto ao hábito alimentar consumindo exclusivamente ácaros pertencentes ao gênero Tetranychus. Os ácaros especialistas reproduzem-se mais rapidamente do que os generalistas quando a disponibilidade de alimento é elevada. Quando a densidade populacional do ácaro rajado é baixa, P. macropilis normalmente se dispersa para fora da área de cultivo em busca de grande quantidade de alimento. Por outro lado, em condições de escassez da presa, N. californicus pode permanecer na cultura consumindo outras fontes de alimento. Em altas populações de T. urticae, há formação de grande quantidade de teia, o que afeta a mobilidade dos ácaros N. californicus, prejudicando o controle biológico exercido por essa espécie. O excesso de disponibilidade de alimento é outro fator que contribui para essa baixa migração dos predadores. Considerando-se as diferenças entre essas espécies, normalmente recomenda-se que N. californicus seja introduzido na cultura no início da infestação da praga. Nestas condições esse predador será capaz de manter a densidade populacional do ácaro rajado abaixo do nível de dano econômico por um longo período.

Com intuito de avaliar a eficiência agronômica de N. californicus para o controle biológico de ácaro rajado na cultura do morangueiro foi realizado um estudo em uma área de produção comercial de morangos situada no município de Estiva/MG (Bueno & Poletti, 2009). Para isso foram isolados dois canteiros com aproximadamente 50 m2 cada. Em um desses canteiros o controle do ácaro rajado foi realizado convencionalmente com o uso de acaricidas registrados para a cultura do morango. Na outra área o controle de T. urticae foi efetuado mediante liberações do ácaro predador, a partir do momento em que foram detectadas as primeiras reboleiras dessa praga. Em cada liberação foram introduzidos cinco N. californicus/m2. A flutuação populacional de T. urticae e de N. californicusforam estimadas contando-se o número total de formas móveis do ácaro fitófago e do predador em 25 folíolos em cada uma das áreas (convencional e controle biológico). As amostragens foram realizadas quinzenalmente durante um período de 100 dias.

A primeira liberação de N. californicus na área de controle biológico foi realizada um mês após o início do experimento (terceira amostragem), quando a densidade populacional de T. urticae era de aproximadamente duas formas móveis/folíolo (Figura 2). Mesmo após essa liberação, evidenciou-se aumento na infestação de T. urticae neste tratamento, sendo necessária uma segunda liberação a qual foi efetuada por ocasião da quinta amostragem, quando a densidade populacional de T. urticae atingiu seis ácaros rajado/folíolo.  Nas amostragens subseqüentes verificou-se aumento na densidade populacional do ácaro predador N. californicus e redução na infestação do ácaro rajado na área de controle biológico (Figura 2).  Por outro lado, na área com o uso de acaricidas (abamectin) não foi evidenciado controle desse ácaro-praga, sendo que na sétima amostragem a infestação nessa área foi de cerca 18 ácaros rajado/folíolo, sendo essa, 40 vezes superior à observada na área onde foram liberados os predadores (Figura 3). Esse resultado demonstrou que a introdução do ácaro predador N. californicus no início da infestação do ácaro rajado é eficiente, podendo manter a densidade populacional da presa abaixo do nível de dano econômico durante um longo período.

Para que a introdução de N. californicus seja realizada no momento correto é muito importante que a ocorrência do ácaro rajado seja monitorada periodicamente. Porém, verifica-se que o monitoramento desta praga ainda não é uma ferramenta amplamente utilizada, sendo que geralmente o seu controle é adotado somente quando o agricultor visualiza os primeiros sintomas de ataque (puncturas) na parte superior da folha. Nesse momento, o emprego de N. californicus nem sempre surte efeitos à curto prazo. Neste caso, recomenda-se que antes da introdução de N. californicus seja realizada a aplicação de um acaricida seletivo ou que seja realizada a introdução de P. macropilis, sendo que está é a única solução no caso da agricultura orgânica.

O uso de N. californicus P. macropilis também tem sido realizado isoladamente ou de forma combinada para o controle do ácaro rajado em plantas ornamentais. Um trabalho realizado na cultura do crisântemo demonstrou a viabilidade do emprego combinado de N. californicus P. macropilis quando a densidade populacional inicial do ácaro rajado foi igual ou superior a 10 ácaros/folíolo (Poletti, 2007). Nesse caso, em altas infestações da presa recomenda-se que P. macropilis seja introduzido inicialmente e que N. californicus seja introduzido quando a densidade populacional da praga atinja baixos níveis (< cinco ácaros rajados/folíolo). Nestas condições, N. californicus se multiplicará na cultura mantendo a praga em um nível que não cause dano econômico à cultura.

A viabilidade do emprego combinado de ácaros de N. californicus Phytoseiulus persimilis Athias-Henriot, que é uma espécie muito empregada para o controle biológico de T. urticae em cultivos de hortaliças e plantas ornamentais em vários países da Europa e Estados Unidos (Zhang & Sanderson, 1995; Zhang, 2003) também foi reportada por vários autores (Schausberger & Walzer, 2001; Blümel & Walzer, 2002; Rhodes et al., 2006).

Controle Biológico de Tripes e Mosca-branca

Os tripes e as moscas-brancas são importantes pragas em diversas culturas de importância econômica em várias partes do mundo. O sucesso no emprego dos ácaros predadores fitoseídeos para o controle biológico destas pragas tem sido reportado com freqüência, sendo que as principais espécies utilizadas com esse propósito são: Neoseiulus cucumeris, Iphiseius degenerans, Amblyseius swirskii e Neoseiulus barkeri.

  1. cucumeris é comercializado em vários países Europeus principalmente para o controle de Frankliniella occidentalis Thrips tabaci em cultivo protegido de hortaliças, destacando-se a cultura do pimentão e do pepino (Gerson et al., 2003). Esse ácaro predador está inserido no Grupo III, sendo generalista quanto ao comportamento alimentar (McMurtry & Croft, 1997). Os predadores pertencentes a esse grupo não são bons inimigos naturais de ácaros tetraniquídeos pelo fato de não conseguirem caminhar por entre a teia produzida por esses ácaros fitófagos. Além disso, trabalhos demonstraram que quando F. occidentalis ocorre concomitantemente com o T. urticae, as ninfas do tripes utilizam a teia produzida pelo ácaro rajado como refúgio, inibindo a predação realizada por N. cucumeris (Magalhães et al., 2007; Venzon et al., 2001).

O ácaro predador I. degenerans tem sido empregado com sucesso para controle de Scirtothrips citri em áreas de produção de mudas de citrus onde essa praga geralmente causa severos danos econômicos (Grafton-Cardwell et al., 1999). Em casas de vegetação de hortaliças o uso desse predador é menos explorado para o controle de tripes do que N. cucumeris, já que esse apresenta maior eficiência.

Nos últimos anos A. swirskii tem sido uma das principais espécies de predadores utilizadas no controle biológico de tripes e mosca-branca em cultivo protegido de hortaliças e plantas ornamentais na Europa (Bolckmans, 2005; Wimmer, 2008). Um estudo demonstrou que A. swirskii tem um ótimo desempenho quando F. occidentalis e a mosca-branca, Trialeurodes vaporariorum, ocorrem simultaneamente em cultivo protegido, do que quando cada praga ocorre isoladamente (Messelink et al., 2008). O ácaro A. swirskii também for reportado como um excelente predador de Bemisia tabaci, sendo que na ausência dessa presa o mesmo pode manter-se na cultura consumindo alimentos alternativos tal como em pólen de plantas (Nomikou, 2003).

  1. barkeri (= Amblyseius mckenziei) também é considerado um predador com bom desempenho no controle biológico de tripes, F. occidentalis T. tabaci, sendo que dentre as quatro espécies citadas é o único que já foi reportado no Brasil (Moraes et al. 2004). Um aspecto importante é que além de consumir ninfas de tripes esse ácaro predador também pode controlar ácaros tarsonemídeos tais como o ácaro branco Polyphagotarsonemus latus que é uma importante praga em cultivo de várias hortaliças e plantas ornamentais no Brasil (Moraes & Flechtmann, 2008). A eficiência desse predador no controle de P. latus foi reportada em cultivo protegido de pimenta na Flórida/EUA (Fan & Pettit, 1994). Em culturas como a do pimentão, onde as duas principais pragas são o ácaro branco e tripes, o uso de N. barkeri pode ser uma importante ferramenta em programas de manejo de pragas.

Controle Biológico de Fungus Gnats

Uma praga de solo que atualmente tem causado sérios problemas em sistemas de cultivo protegido para produção de mudas de várias hortaliças, plantas ornamentais e fruteiras é uma mosca pertencente à família Sciaridae. Esse inseto é conhecido como fungus gnats, sendo que no Brasil a espécie mais encontrada é Bradysia matogrossensis. O termo fungus gnats é utilizado, pois esse inseto normalmente se alimenta de fungos encontrados no solo. Os adultos são moscas de pouco mais de 2 mm, que possuem asas escuras e antenas longas. Esses insetos possuem dificuldade em voar, permanecendo próximos ao substrato ou bancadas das casas-de-vegetação. Cada fêmea coloca cerca de 150 ovos no substrato, entre três e quatro dias eclodem as larvas, que são delgadas com a cabeça preta e corpo liso semi-transparente revelando o conteúdo do trato digestivo. O desenvolvimento dessas larvas é de aproximadamente 14 dias. Durante esse período além do dano direto nas raízes o ataque desse inseto pode deixar as mudas mais vulneráveis a doenças no sistema radicular. As moscas adultas também podem causar prejuízos na produção de mudas atuando na disseminação de fungos fitopatogênicos entre as plantas. Um problema relacionado a essa praga é que os sintomas de seu ataque podem ser confundidos com a ocorrência de doenças, dificultando o seu controle.

Uma alternativa para o manejo dessas moscas é o uso dos ácaros predadores de solo, cuja principal família é Laelapidae. Dentre as espécies que apresentam potencial para o controle de fungus gnats, destaca-se Stratiolaelaps scimitus, sendo que esse predador alimenta-se preferencialmente de larvas e ovos dessa praga (Freire, 2007) (Figura 4). Esse ácaro predador é comercializado em vários países da Europa e América do Norte. No Brasil, devido aos avanços científicos nos estudos com esses ácaros, o emprego prático para o controle dessa mosca tem se mostrado bastante promissor. Uma das recomendações é que a liberação inundativa desses ácaros seja realizada logo após o plantio das mudas, quando a densidade populacional da praga ainda é baixa, o que pode garantir o sucesso em programas de manejo. A utilização de armadilhas amarelas pode contribuir com o monitoramento de adultos dessa mosca, indicando sua presença no sistema de produção.

Com objetivo de avaliar a eficiência do predador S. scimitus no controle de fungus gnats foi realizado um trabalho em uma área de produção comercial de mudas de azaléia em Holambra/SP (Bueno & Poletti, 2009). Nesse estudo foi comparado o efeito da liberação de 200 ácaros predadores/me o controle convencional de fungus gnats com os inseticidas deltametrina e diflubenzurom. Esses tratamentos foram mantidos em áreas isoladas, sendo que em cada área foram instaladas 20 armadilhas adesivas amarelas para o monitoramento dos insetos adultos. A contagem do número de insetos nas armadilhas foi realizada aos 15, 30 e 45 dias após o início do experimento. Ao final desse período o número de moscas encontradas na área convencional foi cerca de três vezes superior ao encontrado na área onde os predadores foram liberados (Figura 5). Trabalhos realizados para avaliar a liberação de S. scimitus em cultivo de cogumelo também demonstraram efeito positivo na redução de B. matogrossensis, o que tem incentivado produtores a utilizar essa estratégia de controle na prática (Freire et al., 2007; Castilho et al., 2009).

MÉTODOS PARA LIBERAÇÃO DE ÁCAROS PREDADORES

Para liberação dos ácaros predadores em campo, geralmente esses organismos são acondicionados em frascos, plásticos ou de papelão, contendo material inerte (casca de arroz, sabugo de milho triturado ou vermiculita) (Figura 6). Além de facilitar a distribuição dos predadores em campo, o uso desse material também é importante para permitir a sobrevivência dos ácaros durante o transporte. Normalmente os frascos utilizados para essa finalidade apresentam um furo na tampa, o qual é vedado com tecido “voil” ou tecido não tecido (TNT), permitindo a troca gasosa e ventilação do conteúdo interno do frasco durante o transporte, o qual geralmente é realizado utilizando-se caixas térmicas de poliestireno. Durante o transporte os frascos devem permanecer no sentido horizontal dentro das caixas de poliestireno, isso para aumentar a área útil para os predadores, evitando o canibalismo.

Para a distribuição dos predadores, recomenda-se que cada frasco seja agitado, para homogeneizar a distribuição dos mesmos no conteúdo da embalagem. Logo após, o frasco deve ser aberto cautelosamente e seu conteúdo distribuído diretamente sobre as plantas ou no solo, no caso dos ácaros predadores edáficos. Normalmente a liberação em campo é um processo rápido e confortável para o agricultor, não exigindo o uso de equipamento de proteção individual (EPI) durante sua aplicação, o que é imprescindível durante a aplicação de agrotóxicos.

Os ácaros predadores também podem ser distribuídos em campo em saches os quais são pendurados nas plantas. Empresas européias de controle biológico têm utilizado esse tipo de embalagem, principalmente para liberação de ácaros generalistas, tais como N. cucumeris A. swirskii. Nesse tipo de embalagem, geralmente além de vermiculita como substrato inerte, também é adicionado o ácaro Tyrophagus putrescentiae ou Carpoglyphus lactis (Acari: Acaridae) ambos com coloração esbranquiçada (Flechtmann, 1986). Esses ácaros são utilizados como alimento alternativo aos predadores durante o transporte. Quando essas embalagens são distribuídas em campo, uma pequena abertura permite a saída dos predadores. Esse processo normalmente é lento podendo levar semanas. Devido à presença de alimento alternativo nessas embalagens, os predadores continuam reproduzindo-se no interior dos saches. Esse método tem sido denominado pelas empresas de controle biológico com método de liberação lenta de ácaros predadores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nos últimos anos, o uso dos ácaros predadores tem se consolidado como ferramenta importante para o sucesso de programas de manejo de pragas em diversos países. Inúmeras biofábricas produzem e distribuem esses inimigos naturais em várias partes do mundo. No Brasil, trabalhos científicos realizados em centros de pesquisas e/ou universidades públicas e privadas têm revelado o potencial dos ácaros predadores para o manejo de ácaros e insetos-praga, o que tem despertado o interesse de técnicos e agricultores ligados ao setor. Para suprir a demanda por esses agentes de controle, começam a surgir no Brasil as primeiras biofábricas que se dedicam à produção massal desses organismos, como é o caso da Promip. No entanto, para que esses inimigos naturais sejam utilizados de maneira correta, a orientação e o suporte técnico são muito importantes.

Nesse caso, além de produzir e colocar no mercado ácaros predadores, as biofábricas ao lado de centros de pesquisas, universidades e órgãos de extensão rural assumem um importante papel na difusão desta tecnologia aos agricultores e/ou empresas de produção agrícola. Nesta inter-relação os centros de pesquisas e as universidades são responsáveis por gerar pacotes tecnológicos, os quais serão fabricados pelas empresas de controle biológico que ao lado dos órgãos de extensão devem dar o suporte técnico e apoio ao produtor para que o mesmo utilize esta ferramenta de maneira sustentável, preservando sua eficiência à longo prazo.

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(*) Texto publicado originalmente como Capítulo de Livro:

POLETTI, M. 2010. Ácaros predadores no controle de pragas. In: VENZON, M.; PAULA JÚNIOR, T. J.; PALLINI, A. (Eds). Controle alternativo de pragas e doenças na agricultura orgânica. Viçosa: EPAMIG, p.213-231.

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